sexta-feira, 30 de abril de 2010




Escrevo e ponto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
e as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel.

Paulo Leminsk

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Conhece-te a ti mesmo




Já dizia o oráculo de Delfos. Mas eu não me conheço. Juro que me esforço e faço o melhor que posso, mas não dá. Não dá. Coisa complicada essa de ser humano. E por vezes me olham com um olhar de quem olha o outro que conhece sem nunca ter realmente conhecido: Eu não te entendo.
Eu não me entendo. Procuro me controlar, juro que procuro. Mas não dá. De repente eu estou seguindo a risca meus planos de vida correta, como eu esperava querer, pois havia querido antes e de dentro do meu ser nasce uma vontade que vem subindo o esôfago e não sai pela boca. Leva tudo pra cima, pra minha mente, onde eu não posso forçar o vômito. Ela fica lá e não sai, me doendo.
Vamos estudar, se concentra, foca.
A minha escrivaninha é de frente pro jardim. E as vezes eu olho esse jardim amarelo de sol e penso no mundo todo como meu jardim. E minha mente não me dá paz enquanto eu não tiro o sapato e saio correndo. Meu jardim é o mundo todo e eu não quero ficar em cima desse Código Civil enquanto lá fora tá esse sol todo.
Eu quero ir lá fora. Lá fora, onde tem tudo aquilo que eu não sei o que é. Mas tem. E é demais. Bom demais ou ruim demais. E lá alguém me fala uma língua que eu nunca ouvi e durante tardes inteiras tentam me explicar a lógica da escrita chinesa. E depois me dão uma comida que eu nunca comi e danço uma dança que eu nunca dancei e canto uma música que eu não tenho idéia do que fazer para soar da maneira que soa. E ouço explicações de tantas coisas, me interesso por tudo, não dou nada por certo. E dentro de mim eu estou correndo descalça rumo tudo aquilo que ainda não me é.
E fora de mim eu respiro fundo, fecho a cortina e volto ao artigo 1223. Eu descubro que eu também quero os artigos. Os artigos e o jardim atrás da cortina. Acho que assim dá pra conhecer alguma coisa. Quem sabe até mesmo me conhecer? Mas é só que tem tanto artigo... E é tão raro eu pisar descalça na grama. Eu só estou enjoada, como quem come muito de uma mesma coisa e depois não consegue mais nem por na boca.
Mas há quem diga que eu estou fazendo as escolhas certas para chegar aonde eu quero. Pelo menos não me contem onde é este lugar, perderia toda a graça. Eu não sei onde quero chegar, ou sei e não admito admitir que seja tão diferente do lugar que todo mundo tem em mente. Ou talvez, simplesmente porque esteja errado. Lembro-me que não me conheço. Por agora, acredito em você quando me diz que o melhor pra mim é isso.
Retomo a leitura. Me elogio como forma de estímulo positivo de Piaget: isso mesmo, boa garota. As notas vieram muito boas. Mas é só eu levantar um pouco o rosto que meu jardim ainda está la fora, me encarando. E o meu jardim sou eu mesma e o sol nasce todo dia.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

pessoando



Não sei quantas almas tenho
Cada momento mudei
Continuamente me estranho
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é.

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas o meu ser
O que segue não prevendo
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
o que julguei que senti
Releio e digo: " Fui eu?"
Deus sabe, porque o escreveu.
Fernando Pessoa

segunda-feira, 12 de abril de 2010

fazenda da vó.

Sussuro sem som
onde a gente se lembra
do que nunca soube.

Guimarães Rosa.